Viva a Banda de Congado Nossa Senhora Aparecida e o capitão Manoel Mendes

Continua após a publicidade..

Por Luiz Otávio da Silva – Pesquisador e Pós-graduando em História

“Quando dois Rosários se encontram, une-se o céu e a terra, um só povo, um só coração, soa tambor, canta tambores”. Falar do nosso Congado é antes de tudo mergulhar um pouco na história, tentar criar uma dimensão de espírito, mostrar uma extensão sem medida de espiritualidade/ancestralidade.

Continua após a publicidade..
Congada em 1860, Rio de Janeiro. Fotografia de Arsênio da Silva, encomendada pelo Imperador Dom
Pedro II. Foto Internet. Domínio público.

Talvez, antes de desejar falar sobre falar sobre ele, fosse necessário viver como quem realmente sabe e sente o que é a vida de um congadeiro. Conceito e explicações acadêmicas sobre essa manifestação simplificam, às vezes, resumem, em poucas palavras: “folguedo folclórico religioso de formação afro[1]brasileira, em que se destacam as tradições históricas (…)”.

É imensamente insensato aceitar tão pequena explicação. No ano de 1674, já era realizada na cidade pernambucana do Recife, a coroação com festa do Reinado na igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Em Minas Gerais, os primeiros relatos sobre o Congado datam do início do século XVIII.

Congado em Santana dos Montes. Foto: Cartilha Povos e Comunidades de Tradição Religiosa Ancestral de Matriz Africana

Contudo, um fato de extrema importância deve se tornar do conhecimento de todos: o Congado de Conselheiro Lafaiete foi citado, em 1924, por Mário de Andrade (escritor modernista, crítico literário, musicólogo, folclorista e ativista cultural brasileiro e estudioso da cultura popular e do folclore brasileiro) como um dos bens patrimoniais ou culturais do Brasil, isso enquanto manifestação de cultura popular. Essa nossa rica manifestação cultural, e que é um dos elementos de reconhecimento da identidade e da cultura lafaietense, é mencionada por Mário de Andrade igualando-a, em importância cultural à tradição das Carrancas do Rio São Francisco e do Pastoril do Rio Grande do Norte. O Pastoril é uma manifestação de religiosidade popular simples, relacionada às festas natalinas.

Em 1928, ainda nos tempos da charmosa Queluz de Minas, já eram realizadas na localidade de São Vicente de Paulo tradicionais festas em devoção a Nossa Senhora do Rosário. Feito as contas, conclui-se que as celebrações em honra a Nossa Senhora do Rosário devem ter em torno ou mais de cem anos. Há registros de bandas que já não existem mais na cidade. Já em maio de 1976, por uma iniciativa do Departamento de Turismo e Patrimônio Histórico de Contagem, aconteceu naquela cidade, como parte das comemorações pelo dia 13 de maio uma grande festa.

Estavam presentes cerca de 30 bandas, duas eram de Conselheiro Lafaiete, “as quais, numa apresentação brilhante e entusiástica, colocaram-se entre as três primeiras de toda a festa.”. (grifos meus). Ano seguinte, em julho de 1977, a Biblioteca Antônio Perdigão – Museu e Arquivo da cidade, com a colaboração do Serviço de Relações Públicas da Prefeitura de Conselheiro Lafaiete realizou o 1º Festival de Congado aqui da cidade, tornando-se tradição e referência para todo o estado de Minas Gerais.

Banda de Congado Nossa Senhora Aparecida, ao centro o Capitão Senhor Manoel. Santuário Nacional de
Aparecida. Foto: Internet.

A Banda de Congado Nossa Senhora Aparecida

“A bandeira levantada significa a ligação da terra com o céu e proteção de Nossa Senhora e de todo o povo que virá atrás dela”. Em 1971, já havia no bairro São João em Conselheiro Lafaiete, uma Guarda de Congado de muito prestígio. Por motivos particulares alguns membros se separam dessa Guarda.

Essa separação causou, certamente, muita tristeza entre todos. Sentindo um vazio e desolação por não ter mais onde dançar, cantar e fazer soar seus tambores, alguns daqueles homens devotos do Rosário, como os senhores José Rodrigues Costa, Agostinho Balbino, José Rodrigues de Almeida, José Efigênio da Silva, Antônio Vieira, José Inácio, José Roque Mendes e outros decidiram fundar uma Guarda. Não podiam mais ficar seu entoar seus cantos de louvores aos Santos do Rosário. Foi então que se juntaram. Uniram-se na fé e criaram a Banda de Congado Nossa Senhora Aparecida. Nascia mais um grupo que aos poucos, se consolidaria e passaria a fazer parte da religiosidade do nosso povo.

Capitão Manoel Mendes; Luiz Otávio e Márcia Rocha (Coletivo Alforria). Foto: arquivo pessoal.

A tradição estava sendo renovada. Em 27 de maio de 1973, foi oficialmente registrada. Dava início no bairro São João a construção de mais um capítulo de uma história alimentada de fé, força e coragem de seus homens. Os primeiros capitães foram José Roque Mendes e Agostinho Balbino, respectivamente pai e filho, os primeiros reis Dona Efigênia e Zé Beijo, primeiras bandeireiras Maria Raimunda e Maria Rita. Logo depois de constituída, mesmo com poucos dançantes, a guarda começou a participar de Festival de Congado em várias cidades.

Viajavam em carrocerias de caminhões enfrentando o bom e mau tempo, sempre destinados a cumprir sua missão em festejar os Santos do Rosário. Com suas antigas fardas e com chapéus feitos de papelão estavam sempre firme no seu propósito – cantar, dançar e fazer ressoar seus tambores. Em um desses Festivais, em Congonhas, a guarda ganhou o primeiro lugar, nessa época o Festival era competitivo. Terminada a apresentação/desfile, foram todos acompanhar o julgamento e, para a surpresa, a Banda de Congado Nossa Senhora Aparecida venceu todas as outras Guardas participantes.

Como premiação a guarda recebeu certa quantia em dinheiro, com esse valor decidiram então mudar de cor a sua farda que era azul branca e passou a ser verde a branca, foi uma forma de reafirmar sua identidade. Tempos depois, mais ainda na década de 1970, o senhor Antônio Júlio conseguiu com uma Escola de Congonhas a doação de algumas caixas de bateria usadas, que foram consertadas, transformadas em tambores e a guarda cresceu em números de dançantes.

Capitão Manoel Mendes. Foto: arquivo pessoal

O capitão Senhor Manoel Mendes

“Benção de capitão é bom, benção de capitão é bom, benção de capitão é bom”! Nascido no ano de 1946, na localidade de “Caba Querer”, município de Lamim, Manoel Mendes é de uma família de dez irmãos e filho de José Roque Mendes que foi o primeiro capitão e um dos fundadores da Banda de Congado Nossa Senhora Aparecida. Senhor Manoel trabalhou por muitos anos como pedreiro em São Paulo, mas nunca perdeu sua ligação com sua família, com a sua fé e suas raízes.

Sempre esteve junto às caixas, às músicas, às danças e a devoção nos Santos que sempre guiaram e fortaleceram a sua vida. Vindo à Conselheiro Lafaiete, sempre integrava a guarda. Sua fé incondicional o levaria para o lugar onde um dia ele seria um capitão. Era apenas uma questão de tempo. O destino era guiado pelos Santos do Rosário. E a hora então chegou.

Até o ano 2006, a guarda tinha como capitão o senhor Agostinho Balbino, irmão de Manoel e que veio a falecer naquele ano. Ele chegou a pedir que o senhor Manoel assumisse o posto de capitão da guarda. Ele assumiu. Tornou-se então o capitão Manoel. Começava a partir de então uma outra história, ou talvez melhor dizendo, recomeçava a partir de então a história da Banda de Congado Nossa Senhora Aparecida.

Deve-se ressaltar que a formação de um capitão no Congado é resultado de um longo processo de aprendizado que se revela pelo saber e pelo conhecimento adquirido em anos de vivência e intimidade com os ritos e fundamentos da manifestação. Senhor Manoel Mendes (ou “Tico Neco”) é um homem de um sorriso fácil e expressivo, de um caráter puro e de uma tranquilidade sem igual. Qualidades que talvez não sejam maiores apenas que a fé ele devota nos Santos do Rosário.

Ele se tornou não apenas o capitão da Banda de Congado Nossa Senhora Aparecida, mas também uma página na história da cultura congadeira lafaietense, ele é uma parte da identidade religiosa e cultural do nosso povo. É um homem que vive na resistência. Ele é a personificação de uma fé verdadeira que transborda, irradia e contagia.

Capitão Manoel Mendes. Foto: arquivo pessoal.

Para os parentes, amigos e para toda a Banda de Congado Nossa Senhora Aparecida, o capitão Manoel Mendes representa a sabedoria, sempre pregando a união e a igualdade entre todos; representa um líder na condução da guarda. Representa a força e a determinação sempre incentivando a todos. Representa a humildade quando permite e convida outros capitães para dividir com ele os cantos. Representa o exemplo que deve ser seguido e multiplicado. Outros homens assim como ele tivemos por aqui.

Mas eles seguiram a Luz e foram levar flores para entregá-las aos seus santos de devoções. Senhor Manoel Mendes é um homem para quem devemos reverência. É aquele a quem humildemente pedimos a benção e agradecemos a Deus pela sua existência e presença. Quem dera pudéssemos medir o tamanho da sua importância. Se um dia quiseram te trazer ao esquecimento, o céu te lembrará no azul. Se um dia quiserem te apagar, as estrelas te lembrarão no brilho.

Salve Maria! Salve a Banda de Congado Nossa Senhora Aparecida! Salve o capitão Manoel Mendes!

PUBLICIDADE