Uma cidade, vários problemas, todos relacionados à atividade minerária. Esse foi o cenário encontrado pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) durante visita a Congonhas, na Região Central do Estado.
A motivação inicial da deputada Beatriz Cerqueira (PT), autora do requerimento, foi visitar nascentes que abastecem o Bairro Pires e que, agora, estão em área da mineradora e sob impacto de suas atividades. Na escuta aos moradores, porém, a parlamentar ouviu queixas de caminhoneiros autônomos, que estão mobilizados em função da perda do trabalho de transporte de minério.
Segundo eles, os contratos estão sendo cancelados, e o serviço, repassado a transportadoras de fora da cidade ou até do Estado. Sem os fretes, eles não conseguem manter as famílias e nem o próprio caminhão. “Vai ficar insustentável. Estão nos jogando pra fora de casa”, afirmou o motorista Vinícius Henrique. Beatriz Cerqueira lembrou que as mineradoras sempre contam como vantagem a geração de emprego.
Em outra frente, a comissão também foi à comunidade de Santa Quitéria, a mais impactada pelo Decreto 496, editado em julho deste ano pelo Governo do Estado. A norma declara de utilidade pública, para desapropriação, terrenos necessários à expansão da mina Casa da Pedra, da CSN. Moradores relataram a angústia pelo medo de perderem suas casas.
Moradora de Pires, Marlene de Souza Alves teme que o bairro de mais de 300 anos acabe. Ela lista vários problemas da comunidade, como a poeira e as rachaduras nas casas pelo impacto da linha férrea. Mas a dificuldade de acesso à água seria o principal. Ela conta que a região sempre foi abastecida pelas nascentes conhecidas por João Batista e Mãe d´Água. Mas a situação mudou.
“Nossas nascentes são do tempo dos nossos bisavós. A mineração está cavacando tudo. Muita terra está sendo transportada”, reiterou Maria da Paz Martins, também moradora de Pires. A comunidade ainda teme que a água passe a ser cobrada. “Se não tiver água pra lavar nossas coisinhas, como vamos viver?”, questionou Maria Rosalina Martins, de 86 anos.
Com o auxílio de mapas, Sandoval de Souza Pinto Filho, da União das Associações Comunitárias de Congonhas, evidenciou a proximidade entre os pontos de captação de água e as áreas de mineração. Já Neide Sousa Paula cobrou atuação das autoridades do Estado. “Para as mineradoras fazerem isso, há várias assinaturas autorizando”, salientou.
Nascentes estão com vazão reduzida
Na visita ao conjunto de nascentes João Batista, a comissão ouviu da empresa Ferro + que a vazão está reduzida e vem sendo suplementada por água de poços de rebaixamento, abertos para pesquisa. A mineradora admite que esse rebaixamento vai impactar – ou já estaria impactando – o lençol freático, mas o grande período de seca também poderia estar por trás da queda de vazão.
O superintendente de Planejamento e Desenvolvimento da empresa, Fabrício Neto Cardozo, afirmou que pesquisas hidrogeológicas ainda estão sendo feitas no local. Ele detalhou que, historicamente, as nascentes totalizam vazão de 50 a 60 m³/segundo. Hoje, essa vazão está entre 10 a 12 m³/segundo. “Hoje estamos suplementando essa diferença e mandando mais, cerca de 100 m³/segundo”, afirmou.
A empresa tem cinco poços, número que pode chegar a oito, com outorga de até 847 m³/segundo. Por isso, Fabrício garante que a comunidade de Pires não ficará sem água. Porém, a responsabilidade de tratamento seria da Copasa e da Prefeitura. Na parte alta do bairro, a empresa leva água com caminhão pipa para 41 famílias o que, segundo a Ferro +, também ultrapassa sua responsabilidade legal.
Na visão do representante da Ferro +, a situação está melhor porque a água, que antes corria a céu aberto, agora vai por tubulação e porque a água de rebaixamento tem melhor qualidade que a do poço formado pelas nascentes.
Ameaça de desapropriação angustia comunidade de Santa Quitéria
Na visita a Santa Quitéria, a comissão constatou a existência de remanescentes de Mata Atlântica, de comunidades tradicionais e de patrimônio histórico em fase de tombamento, caso da igreja local, que tem mais de 300 anos. “Qual é a utilidade pública de expulsar uma comunidade e suprimir patrimônio para colocar rejeitos?”, questionou Beatriz Cerqueira.
Entre os moradores, o clima é de dúvida pela falta de informações sobre o próprio decreto e sobre as atividades que serão desenvolvidas. E também de angústia pelo medo de serem removidos de suas casas e de sua própria história. “Aos 76 anos, vou ter que recomeçar a vida em outro lugar?”, ponderou Paulo Soares. Muitas construções foram paralisadas diante da possibilidade de desapropriação.
Beatriz Cerqueira avaliou que o decreto dá à mineradora o poder de pressionar e de buscar uma negociação direta com os moradores.
“Soubemos do decreto pelo rádio. E começaram a passar carros de mineradoras, de defesa civil. Eles querem invadir nossa privacidade”, reclamou Antônia Aparecida Alves, líder da comunidade.
Sandoval de Souza, que também integra o Instituto Histórico e Geográfico de Congonhas, salientou que a área próxima à comunidade é de mata e não tem minério. Uma das possibilidades é de que o local seria usado para pilha de estéril (rejeitos) da mineração, o que seria um agravante já que, segundo Beatriz Cerqueira, não há legislação estadual sobre estéril para garantir a segurança desses depósitos.
A comunidade promete resistir. Representantes da área ambiental da prefeitura de Congonhas estiveram na visita e afirmaram que todos os levantamentos que apontam a importância ambiental e histórica da área já estão com a Procuradoria do município para embasar uma ação do Poder Público. Representante da Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado também acompanhou os trabalhos da comissão durante todo o dia.
Fonte: Assembleia de Minas